De vez em quando o calvário se repete na minha casa. Assumo o lugar do crucificado. Norberto se põe aos meus pés e chora, humilhado. É nessa hora que minha condição grita alto. Eu sou o Cristo. A Eucaristia me configura assim. Mulher que se doa mesmo quando o que me recebe não cumpre a parte do trato. Deus não é menos Deus na boca do que merece menos. Deus não é menos na parte que veio repousar na mão do indigno. A Eucaristia é o mistério da continuidade de Cristo no tempo. Norberto sabe disso, pois não o deixo esquecer.
De vez em quando ele chega ressabiado, rabinho entre as pernas e olhinhos baixos, próprios de quem se arrependeu do que fez. Chega do mesmo jeito que chego ao confessionário do padre Adamastor para lhe pedir indulto em nome de Cristo. Depois que conto tudo o que me escraviza, o padre levanta suas mãos e faz sobre mim o santo sinal da cruz. O gesto me recorda as mãos de Moisés a conduzirem os israelitas a abertura do mar Vermelho. (MELO, Pe. Fábio De. Mulheres cheias de graça, 2015, p.167).
segunda-feira, 2 de dezembro de 2019